Lusíadas, Os: 1. Segundo Paulo Portas, que os lê com mão diurna e nocturna, fazem parte do nosso código genético. 2. Um/a professor/a do Secundário: «Bom, para o Consílio dos Deuses põe-se os alunos a fazerem a acta dele, e está liquidado. O Pedro e Inês, enfim, passa-se um filme ou leva-se os miúdos em excursão à Quinta das Lágrimas. Para o Baco, umas fotos de lagares e de bêbados. A Ilha dos Amores, diz-se que é uma espécie de Big Brother avant la lettre. E pronto, uff! (o que custa inventar tanta motivação!), podemos passar a coisas mais modernas. Mas depois chega o inferno das Viagens…». 2. Um estudante: «Se encontrasse o Camões na rua, acho que o esfaqueava! Devagarinho, com requinte, rodando-lhe a faca na pança como nos filmes americanos, e dizia-lhe: ‘Ouve lá, meu cabrão, quem te mandou escreveres aquela porra com todos aqueles deuses, e citações, e palavras alatinadas e uma sintaxe que não lembra ao diabo?! Só pra foderes o juízo aos estudantes do básico e do secundário, não foi? Só pra incentivares o sadismo dos professores, aposto? O que vale – e isso não podias tu adivinhar, e é bem feito – é que há bué de «Introduções» aos Lusíadas, e, lendo aquilo, a malta dispensa a leitura aí de 9 cantos e meio. Pois, pois, arregala os olhos, arregala! Tanta sacanice pra nada! Lixaste-te, meu filho da mãe!’». 3. Vasco Graça Moura: «O que falta é divisão de orações! Com esta palermice pedagógica do «prazer» e da «festa» da aprendizagem, os meninos nem aprendem português (e sintaxe) nem fruem o verbo camoniano. Mas claro, os professores preferem falar dessas frioleiras, além de sugerirem que a obra é colonialista e outros endoutrinamentos ideológicos, a ensinarem a beleza, difícil mas compensadora, da grande literatura. Só mesmo com uma kalashnikov!». 4. Camões: «O que eu sofri para escrever o poema, e mesmo para o resgatar das águas… E afinal, mal vi um tostão pela edição. Só de pensar em todos os direitos de autor que perdi até hoje! É de se ficar bem f…! As comodidades que eu não teria com esse dinheirinho… E mulheres, que um poeta não é de ferro… Fui o primeiro Eusébio, vivi antes do tempo dos grandes contratos... Se bem que as edições de agora já são menos minhas que dos comentadores, que saturam aquilo de notas, a ponto de os meus versos desaparecerem debaixo daquela enxurrada filológica. Já ninguém sabe nada de mitologia, nem de História de Portugal, é o que é. Para não falar do latim. Incrível! Ao meu nível, hoje, só mesmo o Graça Moura, que esse, sim, leu tudo e sabe tudo. No meu tempo sempre havia uns 10 como ele. E depois ainda houve o Faria e Sousa, que sabia mais do que eu: até sabia que eu tinha escrito poemas que nunca escrevi. Como me custa contemplar cá do alto esta apagada e vil tristeza! Vá lá que ainda há as odes daquele poeta que ninguém consegue calar, aplicadinho a imitar-me, e que me vai dando umas alegrias. Mas aquela Adília Lopes! Aquele Manuel de Freitas! Poetas?! Ah Gastão, como tens razão! Antes os rappers, que sempre se enraivecem com rima. Mas a gramática, santos deuses, para não falar da métrica…»
Retirado de Casmurro.
Retirado de Casmurro.
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